segunda-feira, 29 de setembro de 2003

JANETH, SIMPLESMENTE

Marcelo Fefer/O Dia

Santo André / São Paulo - Hortência recebeu o prefixo Rainha ao seu nome quando era a principal cestinha do basquete brasileiro. Paula, famosa pela precisão e criatividade de seus passes, era chamada de Magic, como o jogador americano. Já a mais vitoriosa jogadora da história da modalidade no País – a única que foi campeã mundial, ganhou duas medalhas olímpicas (uma de prata e outra de bronze), e por quatro vezes levou o título da WNBA, a badalada liga profissional dos EUA – sempre foi, simplesmente, Janeth.

Isso não incomoda em nada a camisa 9 da seleção brasileira, que ruma para a sua quarta Olimpíada, graças à conquista inédita do Pré-Olímpico, alcançada no domingo, no México. Até porque simplicidade é um dos traços mais marcantes da personalidade de Janeth, que sempre procurou evoluir superando seus próprios limites, em vez de tentar repetir o que Paula e Hortência faziam. “Ouvi várias vezes essa pergunta: a Janeth será igual à Paula ou à Hortência? Eu pensava: elas são únicas. Tenho que ser a Janeth, mas melhorando a cada dia. Se pensasse que deveria ser igual a elas, não seria eu e não chegaria onde estou”, afirmou Janeth, quarta-feira, quando recebeu a visita do ATAQUE no Centro de Formação Esportiva que mantém em Santo André.

Num papo descontraído, Janeth disse que as brasileiras têm um talento natural para o basquete, que seus sonhos ainda não-realizados são o ouro olímpico e o nascimento de um filho, recordou, com detalhes, sua trajetória nas quadras .

O COMEÇO NO VÔLEI – “Morava no Bom Retiro, já gostava de basquete e não tinha condição de pagar uma escolinha. O clube mais próximo era o Corinthians e fui lá ver se havia equipe de basquete. E não havia. Como era alta e tinha boa impulsão, falaram: joga vôlei. Como era no meu time de coração, topei. Após três meses de treino, era titular, como atacante de ponta, e fui campeã paulista mirim. Acho que nasci para praticar esportes. Mas depois da final, virei pro técnico e disse: você me desculpa, mas eu vou jogar basquete”.

A ESTRÉIA NO BASQUETE – “Fui levada para Catanduva por duas professoras de Educação Física e meu primeiro jogo de basquete, quando tinha 13 anos, foi inesquecível. Estreei numa final de campeonato, contra Jundiaí. Fomos campeãs e fui eleita a melhor jogadora. Peguei muitos rebotes e fui a cestinha. Ganhei uma girafinha como troféu. Isso, mais o Mundial de 1983, realizado em São Paulo, sacramentaram minha paixão pelo basquete”.

SELEÇÃO – “A primeira convocação foi 1986, mas a Maria Helena disse que era só para eu ganhar experiência. Em 1987, ganhei meu primeiro Sul-Americano. Acho que o Pan de 1991 (vencido pelo Brasil, em Havana) foi o meu arranque na Seleção, quando comecei a ajudar a Paula e a Hortência a distribuir os pontos. Passei a fazer parte do tripé. Mas a minha afirmação foi no Mundial de 1994 (vencido pelo Brasil na Austrália), onde fui a segunda cestinha da Seleção”.

A TRANSIÇÃO – “Quando a Hortência e a Paula pararam, senti a responsabilidade de não deixar um vácuo. Mas deixamos o ‘eu’ para pensar no ‘nós’ e a Seleção seguiu no caminho certo. A primeira competição sem as duas foi a Olimpíada de Sydney, onde tivemos altos e baixos, mas fomos ao pódio”.

O ERRO DE 2002 – “Antes do Mundial (na China, onde o Brasil foi sétimo, sua pior colocação internacional desde a Olimpíada de 1992), toda a base da Seleção estava na WNBA. O grupo se reuniu no aeroporto. Dessa vez, no Pré-Olímpico, consertamos isso. A base estava formada e entrosada e isso facilitou enquadrar apenas duas jogadoras: primeiro a Helen, e depois, eu”.

PREPARAÇÃO OLÍMPICA – “Pelo que o Grego (Gerasime Bozikis, presidente da CBB) conversou comigo, teremos dois meses de preparação antes dos Jogos de Atenas, em um bom local de treino. Agora não há mais desculpas, pois a Seleção tem patrocínio e há ainda os recursos da Lei Piva. Se cumprirem a promessa, temos totais condições de ir ao pódio e até brigar pelo ouro”.

TALENTO NATURAL – “A brasileira tem um talento natural para o basquete. Temos qualidades incríveis para nos manter no topo por tanto tempo com tão pouco apoio financeiro. Só com uma lei de incentivo fiscal podemos quebrar o ciclo que impede o crescimento maior do basquete. É como uma bola-de-neve”.

WNBA – “Quando fui chamada pela primeira vez, nem quis saber quanto iria ganhar. Queria ir. Agora, é diferente. Já joguei lá por sete anos, ganhei quatro títulos, fui ao All Star Game e estou realizada. Abro mão pela Olimpíada”.

SONHOS – “Meus sonhos como profissional de basquete eram jogar nos EUA, criar meu Centro de Formação de Esportiva e ganhar o ouro olímpico. Só falta um. Após alcançá-lo, posso pensar no meu sonho fora das quadras, que é ter um filho. Não sonho me casar com véu e grinalda, mas em juntar com alguém e ter filhos. Tive uns rolos nos EUA, mas agora estou sem namorado”.

LONGEVIDADE – “Minha condição física, aos 34 anos, não me deixa atrás das mais novas. Posso jogar 40 minutos, como fiz na final do Pré-Olímpico. Descanso bastante e como de tudo.Mas não saio de casa sem café da manhã, onde não pode faltar bolo e requeijão. Quando vou para a WNBA, levo quatro potes de requeijão congelado”.

Centro é exemplo na formação de atletas


Janeth se orgulha de estar formando as futuras gerações do basquete

Funcionando desde 5 de fevereiro de 2002, o Centro de Formação Esportiva Janeth Arcain, em Santo André, é um exemplo de como revelar atletas. Conta com 200 alunos, fora os 30 que converteram suas primeiras cestas lá e hoje atuam na equipe Janeth Arcain que disputa o Campeonato Paulista – no feminino, na categoria mini (até 13 anos), e no masculino, na pré-mini (até 12).
“No feminino, três meninas têm talento para chegar à categoria adulta. No masculino, uns cinco”, aposta Janeth.

O Centro funciona na sede do Clube Panelinha. “De segunda a sexta, o espaço é nosso. Para ter duas aulas por semana, 60% das crianças pagam R$ 35.

Os demais, por não terem condição, treinam de graça. Não sei quanto investi aqui. Pago o aluguel, água, luz, os profissionais (três técnicas, um auxiliar, um secretário e a gerente Karine Batista, seu braço direito), mas a realização que sinto não tem preço. Temos planos de ter sede própria e até de abrir filiais, no futuro, se conseguirmos parceiros”, diz Janeth.

Ao entrar para a escolinha, o aluno ganha uniforme, bolsa e garrafa térmica com a marca Janeth Arcain. “A exigência de uniforme foi a forma que encontramos para igualar ricos e pobres. Com a camisa do Centro, não há como distingui-los”, explica.


Fonte: O Dia

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