terça-feira, 21 de dezembro de 2004

A liqüidação de Natal

MELCHIADES FILHO
EDITOR DE ESPORTE

O cidadão deixa escapar uma frase infeliz, fala um disparate qualquer. O repórter gargalha por dentro, finge que não ouviu nada de absurdo e muda de assunto, para não permitir que o entrevistado, alongando-se no raciocínio, desautorize as aspas e arruine a manchete.
Pensei no jornalismo do deslize, malvado e rasteiro, na tarde de quinta-feira, quando li na internet a notícia de que Lula Ferreira assumirá em janeiro a Secretaria Municipal de Esportes de Ribeirão Preto -e de que, apesar das novas atribuições, pretende seguir no comando do time da cidade, tricampeão paulista, e da seleção brasileira masculina. "Será possível conciliar", justificava-se o técnico, no texto. "A seleção é uma coisa pontual."
Uma coisa pontual?!
Não é possível que o Lula tenha dito uma bobagem dessas, reagi na hora. Como todo basqueteiro inteligente, ele aprendeu que, ao menos neste país, a saúde de uma modalidade depende diretamente do desempenho internacional de seus competidores de ponta.
O vôlei nasceu com a "geração de prata" e se estabeleceu com o ouro olímpico em Barcelona-92. O tênis explodiu com Guga. A F-1 manteve-se com Fittipaldi, Piquet e Senna. A ginástica engatinha com Daiane & os Hypólitos...
Em contrapartida, o basquete, outrora o segundo esporte mais popular do Brasil, mas que só coletou nos últimos anos maus resultados em Mundiais e Olimpíadas, simplesmente esvaneceu.
Talvez apenas a seleção brasileira -e justamente a masculina, dado o machismo que prevalece nas quadras- seja capaz de interromper esse sangramento.
Uma coisa pontual?!
Deve ter sido um deslize, insisti comigo. Aliás, deve ter sido tudo um chato mal-entendido, supus.
Lula sempre defendeu um técnico exclusivo para a seleção. Assim que assumiu o cargo, há somente dois anos, ele lamentou à coluna a necessidade de encaixar os novos compromissos na rotina de treinos e jogos de seu clube: "É ruim. Eu gosto de planejamento, de parar para pensar".
Lula sabe, também, que a CBB paga seu salário com dinheiro do governo, repassado via Lei Piva. Seu trabalho à frente da seleção, portanto, tem caráter público. Como, então, justificar ao contribuinte um terceiro emprego, sinal de tanto desdém? E o que explicar aos vizinhos ribeirão-pretanos, tributados em dobro para remunerar o futuro secretário?
Lula, por fim, pôde acompanhar o papelão que viveu neste ano seu desastrado colega da seleção feminina. Por dois meses, às portas da Olimpíada de Atenas, Antonio Carlos Barbosa foi candidato à Prefeitura de Bauru. Estaria ele, Lula, disposto a arriscar um passo em falso similar?
Não, ele não cometeria tal desatino, está perto de conquistar o tetra estadual, de renovar a credibilidade arranhada pelos seguidos insucessos à frente da seleção... Eu nutria meu descrédito até que recebi o retorno da entrevista que Lula deu à Folha. "Não dimensionei como será meu dia-a-dia, mas acho que dá. O trabalho na seleção é ocasional."
O trabalho é ocasional?!

Ponta de estoque 1

A Federação do Rio, que em junho proclamou uma "grande revolução" no basquete nacional, encerrou na semana passada as inscrições para os Estaduais femininos de 2004. Não é erro de digitação, não. O campeonato adulto de 2004 começou (ou devia começar) ontem. E os torneios de base de 2004 só vão rolar em janeiro de 2005.

Ponta de estoque 2

Deu a lógica no torneio de um time só. O Rio de Janeiro, dirigido por Oscar, nem precisava da mãozinha da tabela, que obrigou os rapazes de Campos a disputar oito jogos de mata-mata em 11 dias.

Ponta de estoque 3

Havia 18 anos que o Estado não conhecia um campeão invicto.

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Fonte: Folha de São Paulo

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