terça-feira, 26 de abril de 2005

Bandejinha: Janeth à frente no processo

Monique Vieira

Acostumada com o jeito americano de gerenciar o basquete, com contratos de longo prazo sendo respeitados com as jogadoras e assumidos pela direção da WNBA, apesar da extinção recente de algumas equipes, a ala Janeth Arcain tomou a frente do projeto de formação de uma Associação de Atletas no Brasil para defender os interesses e direitos dos que realmente fazem o espetáculo. Encorajada pelo ex-cestinha Oscar Schmidt, fundador da “Nossa Liga” independente da CBB que terá como vice-presidentes as ex-estrelas da Seleção campeã mundial Magic Paula e Hortência, Janeth está deixando o embrião da Associação de Atletas formado antes de viajar para os EUA, onde vai disputar mais uma temporada pelo Houston Comets.

No time texano, ela conquistou quatro títulos da liga americana que lhe renderam até uma visita à Casa Branca para uma recepção com o presidente Bill Clinton em meio ao escândalo da estagiária Mônica Lewinsky, mas antes aprendeu uma grande lição de profissionalismo, marketing e senso comunitário.

O problema principal a ser combatido pela nova Associação é o atraso ou o simples calote no pagamento de salários, realidade já vivida pela própria Janeth, inclusive na sua passagem pelo Vasco da Gama quando Eurico Miranda decidiu investir em vários esportes olímpicos antes da Olimpíada de Sydney-2000. Frustrado com a falta do ouro em todas as modalidades, apesar do basquete feminino liderado por Janeth e Alessandra ter trazido o bronze contra todas as expectativas, o Vasco foi encerrando seus esportes olímpicos um a um e deixou pendências para trás.

Não fiquei surpresa ao assistir a uma entrevista da advogada Gislaine Nunes no Programa do Jô Soares semana passada, lembrando que Janeth é sua principal cliente fora do futebol. Famosa por liberar astros do futebol brasileiro de clubes devedores sem o pagamento de multa rescisória, Gislaine está na lista de desafetos do Euricão desde que fez o Vasco perder milhões na liberação de Juninho Paulista, mas a advogada revelou ter penetração também no esporte da bola laranja.

No final da carreira, Janeth, além de promover um belo trabalho com seu Centro de Formação nas categorias de base em Santo André, procura aproveitar seu cacife técnico para mudar o estado de coisas no basquete brasileiro, coisa que o ala-pivô Nenê também começou a fazer ao boicotar a Seleção Brasileira enquanto Gerasime Grego Bozikis continuar à frente da CBB. Não creio apenas que haja uma politização maior dos atletas, a reação de bombardeio sobre a atual gestão é sinal de que a modalidade viu-se perto do fundo do poço. Os clubes não vêem a cor do dinheiro das verbas de televisionamento e do patrocínio da Eletrobrás, um valor milionário para ficar só com Seleções que se reúnem esporadicamente, enquanto os 16 times do Nacional masculino receberam a ajuda de custo de R$ 10 mil cada para viajarem de ônibus.

A ausência do basquete da TV aberta também piorou as coisas, assim as equipes não têm orçamento para fazer um planejamento de longo prazo. A Associação de Atletas deve ser muito cuidadosa na defesa dos direitos dos jogadores, pois em um cenário de crise como o atual não adianta ser muito inflexível. Com o pires na mão, os clubes não vão apostar alto em um contrato trabalhista todo certinho com jogadoras de Seleção, preferem escalar as meninas das categorias de base e deixar as veteranas na Europa mesmo, com a desculpa de que não dá para competir com o euro. A CLT é uma legislação ótima para proteger os trabalhadores, mas ruim para os empregadores em uma área que está em condição de semi-amadorismo. A solução no início é mesmo encontrar um meio termo e complementar os salários dos atletas com direitos de arena ou imagem. O ideal para Janeth e cia. é sentar à mesa com os cartolas para acertar uma fórmula-padrão para os contratos.

A verdade é que os clubes europeus não pagam tanto assim, por um pouco menos as atletas da Seleção topariam ficar mais perto de casa, inclusive Janeth recebeu sinal verde da maioria de suas companheiras na conquista do quarto lugar na Olimpíada de Atenas-2004. A Associação de Atletas e o primeiro Nacional feminino organizado pela Nossa Liga devem estar estruturados apenas em 2006, é justo esperar o que acontece com a Liga masculina e conseguir mais adesões para peitar a CBB. Porém, qualquer marqueteiro sabe que uma entidade com Oscar, Janeth, Hortência e Paula à frente tem condições de atrair mais patrocinadores que os engravatados da Eletrobrás e Grego.

O início da Liga e da Associação de Atletas será difícil e cheio de oposições, então não vejo por que não terem algum grau de relacionamento e cooperação com a CBB, em vez de promover um racha definitivo que faria mal ao basquete nacional, que precisa do máximo de união possível. Enquanto o último Nacional do feminino teve só oito equipes e ainda foi manchado com a desistência e o calote geral do Iate Clube Rio das Ostras no meio do campeonato, a Liga independente contava com a adesão de 11 times no feminino no dia de sua primeira convenção, na segunda-feira passada em São Paulo. O ideal é chegar a 12 equipes com condições de fazer um campeonato com quatro meses (outubro a janeiro) e liberar as jogadoras para enriquecerem seu repertório internacional jogando na WNBA ou na reta final da temporada européia, como fazem diversas estrelas americanas.

Não é preciso muita coisa para o basquete feminino readquirir o respeito, o prestígio internacional ainda existe como ficou comprovado na eleição da Rainha Hortência para o Hall da Fama e a volta de quatro brasileiras para times da WNBA (Janeth, Iziane, Kelly e Helen), basta arrumar as coisas nas quadras locais para que a modalidade não perca mais torcedores e encantamento, sem deixar de valorizar os atletas. A Associação Janethiana vai ficar de olho.


Bandejinha: Monique Vieira, 25 anos, é jornalista formada na Universidade Metodista de São Paulo, cobriu o Mundial de Indianápolis masculino além de diversas edições do Nacional feminino e volta ao Basketbrasil depois de um ano trabalhando numa assessoria do setor de telefonia.

Fonte
: BasketBrasil

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