domingo, 21 de maio de 2006

"Está tudo errado no basquete feminino"



MAGIC PAULA, integrante do Hall da Fama do basquete Ex-jogadora, com 20 anos de seleção, diz que falta ao Brasil, em ano de Mundial, de planejamento a renovação


Heleni Felippe

Maria Paula Gonçalves da Silva, a Magic Paula do basquete, agora integra o Hall da Fama, honra que apenas Hortência - sua principal parceira em quadra - tinha entre as ex-atletas brasileiras. Paula foi homenageada em Knoxville, Tennessee, Estados Unidos. Seu nome, assim como a camisa azul da seleção vice-campeã olímpica em Atlanta (1996), ficaram no memorial reservado a atletas que já deixaram as quadras há, pelo menos, cinco anos. Em uma carreira de mais de 20 anos como armadora, Magic Paula comandou a seleção nos títulos do Pan-Americano de Havana (1991) e do Mundial da Austrália (1994) e na conquista da medalha de prata olímpica (1996).

Deixou a seleção brasileira em 1998, após o Mundial da Alemanha, e as competições de clube em 2000 - o BCN/Osasco foi a última equipe que defendeu. Atualmente é diretora do Centro Olímpico de São Paulo, ministra palestras e toca o projeto social Passe de Mágica, com núcleos em Piracicaba, Diadema e São Bernardo. Nasceu e passou grande parte da vida no interior. Agora, mora na capital com Minnie, a cachorra vira-latas que adotou.

No Centro Olímpico, por onde já havia passado na época da prefeita Marta Suplicy, do PT (entre 2001 e 2003) e para onde voltou a convite, em janeiro de 2005, no mandato do prefeito José Serra, trabalha com formação de atletas em várias modalidades. Com verba de patrocínios, reformou boa parte das instalações sucateadas do centro esportivo paulistano.

De personalidade forte e crítica, que sempre a caracterizou como atleta, foi uma denúncia de Paula que levou o então ministro dos Esportes, Agnelo Queiroz, a devolver ao governo o valor de sua passagem aérea, que já havia sido paga pelo Comitê Olímpico Brasileiro, depois do Pan de São Domingos, em 2003. Ficou no Ministério, como diretora de Esportes de Alto Rendimento, por apenas seis meses, de maio a outubro: saiu por discordar da forma de gerir de Queiroz.

Paula falou ao Estado da inclusão no Hall da Fama e da crise do basquete brasileiro. E do Mundial Feminino, em São Paulo, em setembro. Com Hortência, vem sendo excluída pela Confederação Brasileira de Basquete (CBB) da organização e da divulgação do Mundial. Mas irá ao ginásio torcer pelas brasileiras, ainda que tenha de comprar ingresso.


O que representa o Hall da Fama?

Vinda do país do futebol, ser homenageada em um país onde o basquete é um dos principais esportes, ser reconhecida e lembrada nos Estados Unidos, onde se faz o melhor basquete do mundo, é muito importante. Quando cheguei, toda a organização, o envolvimento, a programação... Eu, no meio de cinco americanos, dois técnicos e três jogadoras que eu já havia enfrentado. Lá, senti o reconhecimento, o quanto eles respeitam a gente. No meu discurso, confessei que era mais fácil falar do que enfrentar Katrina McClain Johnson, Clarissa Davis-Wrightsil, da seleção dos EUA na minha época.

Você aposta na seleção em ano de Mundial no Brasil?

Vivi 20 anos na seleção e sempre foi assim, mal planejado. Temos condições de ir ao pódio, de sermos até campeãs - dependerá das atletas, como sempre. Os dirigentes têm sorte. Todo o desprezo, a negligência com que tratam o basquete feminino vão por água abaixo por causa das atletas. O Brasil não terá uma preparação adequada para o Mundial - é só ver quantas vezes as meninas se reuniram depois da Olimpíada de Atenas. Sei que dois meses não são o ideal para a preparação, mas o basquete já teve planejamentos tão ruins quanto este (amistosos com o time juvenil masculino, viajando de Norte a Sul em torneios desgastantes para pagar votos a federações...) e se superou. Temos a vantagem de jogar em casa, o que é muito gostoso se o time entender isso como motivação, não como pressão.

O basquete feminino vai bem?

Não. Está tudo errado. Teríamos de começar com um encontro nacional de dirigentes, atletas e técnicos para uma avaliação do esporte, onde ele se encontra, onde quer chegar e o que queremos.

Você e a Hortência têm sido excluídas pela CBB até da divulgação do Mundial. Você vai ver o Mundial?

Vou, sim. Me revolto com os dirigentes, não com as meninas. Fui convidada por TVs para ser comentarista, mas não gosto muito de analisar o jogo em público. Acho que o mínimo que eu e a Hortência merecíamos por todos os anos que nos dedicamos à seleção seria sermos as rainhas da Inglaterra do campeonato. Mas não fomos consultadas para nada. Vou estar lá assim mesmo, nem que tenha de pagar ingresso. Vou torcer pelas meninas, quero que dê tudo certo, apesar de não concordar com um monte de coisas de que elas, em parte, são culpadas.

As brasileiras não são críticas?

Elas têm de abrir o bico. Não é porque ganham diária da Lei Piva que têm de ficar caladas. Muita coisa ali está errada, como a saída da Matilde (roupeira), que ninguém contestou. Críticas são feitas só nos bastidores. Os movimentos são importantes, ter opinião é importante.

Você trabalhou com o técnico Antônio Carlos Barbosa. O que acha de ele seguir na seleção?

Fui madrinha de casamento do Barbosa, era o técnico na minha primeira seleção, foi meu treinador em clube, mas está ultrapassado. O Barbosa tem dois momentos na seleção: o primeiro, quando era enérgico, e o segundo, em que concorda com tudo, com os dirigentes e as jogadoras. Nada contra o Barbosa, ele é meu amigo, mas já deu.

E a renovação do grupo?

Daqui a pouco, a Janeth vai parar. Jogadoras como a Helen, a Cíntia e a Alessandra também. É hora de reciclar. O basquete brasileiro sofre dessa falta de renovação de técnicos, árbitros, atletas...

Não há uma comissão técnica forte como a de 1994, 1996?

O sucesso no Mundial dependerá das jogadoras, não vejo nada de novo na comissão técnica. O Barbosa não tem perfil para ter um assistente. O Borracha está lá, tem experiência, mas não vai ter comando. Hoje, ter um técnico que não aceita um assistente é um retrocesso. Nas seleções, são dois ou três ao lado do técnico, vendo defesa, ataque, filmando e avaliando seu jogo e o dos rivais.

O Paulo Bassul se demitiu após a Olimpíada, esperava ser o técnico.

Por ter sido assistente, numa seqüência natural deveria ser o técnico. Não concordou com o que estava havendo e preferiu sair. São poucos os que têm coragem de fazer isso.

O Brasil tem armadora?

Na minha época, havia a preocupação de encontrar pivô, mulher grande. A armadora precisa ser uma atleta que pensa, que chega uma hora, põe a bola embaixo do braço e fala: 'Agora, vamos fazer isso.' A única com esse perfil é a Helen. Tenho visto jogos do feminino e é uma correria, parece que o jogo está acabando a cada minuto. É complicado jogar um Mundial com uma única atleta com a característica de armadora. E a Adrianinha, por mais que tenha físico privilegiado... Ficou parada tantos meses por causa da gravidez...

E a Nossa Liga de Basquete?

Mesmo com cinco times, o feminino não enfrentou a confusão do masculino. As pessoas não entendem. A NLB é criada porque não se concorda com o outro campeonato e depois se briga para estar no outro? Se já é uma contradição para quem está na NLB, imagine para o público... Na rua, as pessoas me perguntam se a liga deu certo, se pegou. Tudo o que é novo demora a conquistar as pessoas, mas a confusão no primeiro ano foi ruim. No feminino, tivemos dificuldades com a arbitragem. Os que sempre apitam os jogos, foram proibidos de apitar a liga, que teve de buscar árbitros novos, sem ritmo, que foram adquirindo experiência na NLB. O feminino foi até além da expectativa, mas ainda temos muitos problemas de calendário. Se nem a CBB, com 70 anos, sabe fazer direito...

Há saída para a divergência entre CBB e NLB?

É hora de as partes sentarem para conversar. Por parte da NLB não há resistência. Está na hora de a CBB cuidar das seleções e a liga, do Brasileiro.

Os dirigentes de clubes dizem que Oscar é cabeça dura, mas também que se a CBB tivesse fortalecido os clubes a NLB não teria surgido.

O Oscar vive o processo de deixar de ser atleta para ser dirigente. É explosivo, concordo, mas se não fosse por ele nada teria acontecido. Foi eleito presidente da NLB por unanimidade. É difícil para ele porque é dirigente de clube. Poderíamos ter evitado isso, ter escolhido alguém isento. Mas temos de admirar a coragem do Oscar. Eu, a Hortência e o Oscar podíamos emprestar a imagem à liga, mas sem ter cargo. Muitos clubes ainda vêem o Oscar como atleta ou dirigente. E acabaram levando isso para a NLB, caso de Franca, Ribeirão, Uberlândia... Mas ele não pediu para ser o presidente.




Cabe aos clubes dizer o que querem?

Sim. Se o Oscar é cabeça-dura, o outro (Grego) também é. Não pode menosprezar clubes e atletas da NLB. As parcerias são importantes na vida, sem elas não se vai a lugar nenhum e o Grego tem de entender isso. Ele me disse muitas vezes: 'Aparece na CBB.' Mas não convida oficialmente. É como dizer vai lá em casa e não dar o endereço. Falta diálogo. Não há vencedores nessa divisão. A NLB não começou porque eu, a Hortência e o Oscar fomos bater na porta dos clubes, mas por um descontentamento deles. E hoje, o que querem?

E o futuro?

Não tenho saudade do cotidiano do basquete. Gosto de trabalhar com formação. No Centro Olímpico, o técnico da luta olímpica foi convocado para a seleção brasileira, temos jogadoras do handebol na seleção juvenil. Por menos apoio que tenham - ninguém recebe salário - aparecem atletas. No basquete, a mentalidade de técnicos, dirigentes e atletas tem de mudar. Temos de cobrar dos times de alto nível um trabalho de formação.

E craque? Vê alguma?

Depois da Janeth... A única que poderia me surpreender, mas não tenho visto jogar, é a Iziane. Mas não com papel de líder. Pode ser que no Mundial apareça alguém. É difícil, está todo mundo jogando fora.

E o Leandrinho?

Nunca li ou ouvi uma entrevista mais consistente para saber como é a cabeça dele, mas gostei de vê-lo em quadra nos playoffs da NBA. Vejo um Leandrinho com cabeça, chegou lá e foi conquistando espaço, o que não é muito fácil. Numa terra que não é a sua, vai ser sempre um estrangeiro.

Acredita no sucesso do Pan do Rio?

Estou distante do Pan. Torço para dar tudo certo, acho que o COB sabe fazer eventos. Mas não sei o que representará para o esporte brasileiro, se as instalações vão virar locais para bailes e feiras ou ficar esquecidas. Não conheço os projetos do Rio para esses locais, se serão um espaço para a formação de atletas... O Pan não é mais um evento de nível técnico para ser referência mundial. É uma competição que deixa o Brasil com muita ilusão de estar no caminho certo. Quando chega uma Olimpíada... Poucas confederações estão no caminho certo, a ginástica, o vôlei, o judô... Não sei o que o Pan representará para o Brasil. Acho que é mais foguetório do que o vislumbre de melhoria efetiva. Os problemas dos esportes no Brasil são os que os atletas enfrentam.

Acredita no sucesso da lei de incentivo fiscal?

Tem de ser amarrada para não termos oportunistas investindo só por causa da isenção. Temos de amarrar com o social, o lazer, a formação, para não melhorar só para quem já está bom, o alto rendimento. Não é o ideal, mas as confederações têm dinheiro para trabalhar atualmente. O esporte não é só o alto rendimento.


Fonte: Estadão

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